Evolução e desenvolvimento da sexualidade

Pensar em termos evolutivos pode facilitar nosso entendimento das diferenças de gênero, da sexualidade, do desenvolvimento e comportamento diferencial de meninos e meninas nos seus ambientes de aprendizado. Devemos levar em conta mais uma vez o ambiente ancestral primitivo no qual cérebros de homens e mulheres evoluíram de forma diferente, pois utilizam de estratégias reprodutivas diferentes. Estes traços genéticos ao longo do tempo ficam marcados em fatores ditos culturais. Um exemplo são os inúmeros tabus em nossas sociedades. O tabu do incesto evitaria acasalamentos consangüíneos e diminuiria a incidência de genes deletérios em duplicata (problemas congênitos que precisam de cópias de genes tanto do macho quanto da fêmea para expressarem suas características). Evitar relações incestuosas aumentaria a sobrevivência e as chances de reprodução dos filhotes e muitas espécies animais apresentam estratégias para evitar o endocruzamento, seja por meio da dispersão (filhotes quando amadurecem se deslocam para longe do seu grupo social de origem, formando novos bandos) ou por mecanismos de reconhecimento como ferormônios, assinaturas vocais e comportamentos.

As sociedades humanas primitivas estavam organizadas de maneira semelhante aquelas encontradas ainda hoje no alto Xingu ou na Amazônia; sociedades de caçadores-coletoras com divisão sexual do trabalho nas quais as mulheres ficavam próximos às áreas dormitórios e estavam responsáveis pelo cuidado com as crias e com a coleta de frutos, brotos e sementes enquanto os homens se deslocavam a grandes distâncias e eram responsáveis pela caça (suprimento protéico) e defesa do território. A partir desta organização podemos pressupor diferentes maneiras pelas quais cérebros de homens e mulheres foram projetados pelo processo de seleção natural e as conseqüências disso nas habilidades e comportamentos atuais de meninos e meninas.

Estudo mostrando preferências por brinquedos ditos “masculinos” como bolas e carrinhos e brinquedos ditos “femininos” como bonecas e panelas foram conduzidos com primatas não humanos pelas pesquisadoras Gerianne Alexander e Melissa Hindes (2002). Elas usaram macacos velvets (Cercopithecus aethiops sabaeus) em experimento que machos e fêmeas eram submetidos a duas categorias de objetos para brincarem: brinquedos ditos “masculinos” e “femininos”. Importante destacar que estes animais não são submetidos a estimulações precoces que reforcem preferências por brinquedos e muito menos eles podem apresentar um entendimento de suas identidades de gêneros, apenas podemos dizer que tais preferências evidenciam que cérebros de primatas desenvolveram sistemas de reconhecimento especializados para categorias de objetos que tenham valor adaptativo, como expressões faciais das emoções. No estudo, “meninos” velvet despenderam mais tempo com bolas e carrinhos de polícia. Este tipo de objeto quando tirado da inércia apresenta um padrão de deslocamento muito semelhante ao de uma caça. Quando olhamos um grupo de meninos atrás de uma bola e nos remetemos a um ambiente de caça a uma lebre podemos pensar que a caçada e a partida de futebol partilham de contextos semelhantes. Por este motivo também, os meninos são mais hábeis na leitura de mapas e em habilidades que requerem noções espaciais e justificamos porque as escolas de engenharia têm proporcionalmente maior número de alunos do sexo masculino. As “meninas” velvets permaneceram mais tempo em contato com brinquedos ditos “femininos” como bonecas e panelas. É uma obviedade a preferência por bonecas e justifica o fato de as mulheres apresentarem estruturas cognitivas mais desenvolvidas para a linguagem (mulheres se comunicam mais e melhor que homens em geral) e serem mais sensíveis a organismos potencialmente nocivos a filhotes como baratas e ratos. As panelas parecem menos óbvias na preferência de velvets fêmeas, mas panelas são ótimos recipientes para armazenar alimentos pequenos como sementes, frutos e brotos.


Macacos Velvet com brinquedos “masculinos” e “femininos”

FONTE: ALEXANDER, Gerianne M. & HINES, Melissa. Sex differences in response to children’s toys in nonhuman primates (Cecopithecus aethiops sabaeus). Evolution and Human Behavior 23:467-479, 2002.


Pelos exemplos e abordagens descritas devemos ressaltar alguns aspectos inerentes a aprendizagem e seus diferentes contextos explicativos. Podemos dizer que o paradigma inato versos aprendido, cultural versus genético, está ultrapassado.

Genes não são expressos no vácuo, nem tampouco determinam comportamentos, os genes são responsáveis pela produção de proteínas, que são os blocos de construção e de regulação do metabolismo dos organismos vivos. Proteínas, por sua vez, podem estruturar áreas do cérebro e regular o metabolismo de tal forma que estaremos aptos ou não a desempenhar certos papéis e apresentarmos determinadas preferências.

A influência dos hormônios masculinizantes (androgênicos como a testosterona) e feminilizantes (estrógenos) durante o desenvolvimento perinatal e a adolescência podem modificar áreas específicas do cérebro e nos habilitar e proporcionar comportamentos característicos da identidade do gênero ao qual pertencemos. Comportamentos ditos femininos podem bem estar expressos em meninos sem que estes apresentem preferências sexuais por outros meninos. De forma inversa, meninos podem apresentar preferências sexuais por outros meninos sem que deixem suas características cognitivas gerais próprias de meninos. Surge-nos outro problema bastante comum nos ambientes educacionais: a necessidade de enquadramento de nossas crianças em determinados tipos estereotipados. Um exemplo bastante elucidativo vem dos grandes escritores. Cérebros femininos são mais hábeis para a linguagem, talvez por isso tenhamos mais professoras de letras do que homens lecionando nesta área e mesmo as escolas de letras têm em suas fileiras na grande maioria mulheres. Como explicar gênios da literatura fazendo descrições tão precisas inclusive de personagens femininos, como explicar Machado de Assis na sua descrição da personalidade da Capitu em “Dom Casmurro”, ou ainda, João Ubaldo Ribeiro em seu livro “A casa dos Budas ditosos” que descreve as experiências devassas de uma vida inteira de uma senhora? Há um grande erro em colocarmos rótulos em nossos alunos a partir de falsas suposições do que deveria ser seu comportamento em relação ao seu gênero.

Apesar da maneira como nossos cérebros foram estruturados a partir de nossa origem evolutiva e das influências genéticas e hormonais que determinam nosso comportamento, o cérebro humano é muito versátil e plástico, e pode sofrer modificações significativas quando submetido à aprendizagem e experiências. Vamos trabalhar melhor este tópico adiante no texto, quando discutirmos sobre neuroplasticidade. De maneira geral, mesmo que tenhamos algumas preferências inatas, podemos aprender habilidades, gostos e valores inclusive contrários aqueles aos quais somos predispostos desde que tenhamos motivação, estímulos e treino adequado. Um exemplo contundente e simples é a conduta homossexual de muitos homens submetidos ao cárcere ou em qualquer evento com ausência de mulheres. Alguns homens podem se submeter ao homossexualismo mesmo sem ter condutas inatas para isso, ou mesmo sem nunca ter manifestado preferências por sexo com outros homens, simplesmente porque a cópula e o sexo fazem parte do repertório comportamental de nossa espécie, mas apresenta outras funções que não a reprodutiva. Muitos animais apresentam relações homossexuais como parte do aumento no vínculo social entre os indivíduos – se faço sexo com você, sou seu amigo e parceiro, logo poderemos contar um com o outro. Em praticamente todas as espécies de mamíferos sociais estudadas temos registros de eventos de homossexualismo entre indivíduos próximos. O importante como veremos ao longo do texto é que o educador esteja atento às preferências e aptidões de meninos e meninas para auxiliar no seu desenvolvimento não gerando frustrações ou dúvidas desnecessárias ao seu desenvolvimento.

REFERÊNCIAS:
ALEXANDER, Gerianne M. & HINES, Melissa. Sex differences in response to children’s toys in nonhuman primates (Cecopithecus aethiops sabaeus). Evolution and Human Behavior 23:467-479, 2002.

2 comentários:

  1. Ola professor RODRIGO,nós enquanto educadores, temos o dever de dar apoio e passar algum conhecimento para nossos adolescentes e crianças para que eles sejam eles mesmos e não sintam vergonha de si mesmo.
    Mesmo porque temos o livre arbítreo para seguirmos o nosso destino, não importa nível social, culturalou economico, o importante é não sermos discriminados pelo que somos.

    Janice Martignago, POS-IÇARA-2012

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  2. Boa tarde Professor Rodrigo...

    O texto, a disciplina e as aulas sobre "Sexualidade e Desenvolvimento Humano" teve uma importância significativa para a minha formação pessoal e até mesmo, como educadora.

    Pessoalmente, eu pude compreender parte do meu processo de desenvolvimento, sobretudo na infância e na adolescência, os quais eu não conseguia compreender o por quê tinha interesses e aptidões por atividades, brincadeiras, jogos e esportes ligadas ao universo/público masculino, sendo que minha orientação sexual era claramente hétero. A partir da sua exposição sobre o assunto, percebi que todos nós sofremos influência hormonais, no meu caso, além dos hormônios femininos, recebia uma "injeção" dos hormônios masculinizantes (androgênicos como a testosterona), fato que possivelmente modificava áreas específicas do meu cérebro que me habilitavam a desenvolver comportamentos caractrísticos do sexo oposto. E, o fato de ter aptidões ou gostos por determinadas coisas que dizem "ser dos meninos", fez com que eu recebesse muitos comentários maldosos a respeito da minha orientação sexual, todavia, isso era muito definido para mim, pois sabia que mesmo jogando futsal, gostando de futebol ou brincando de carrinho com meu irmão, eu não sentia nada por pessoas com a mesma orientação sexual que eu tinha, tudo isso poderia ter sido explicado na época pela presença dos tais hormônios masculinos...

    Enquanto educadora, também pude compreender o nosso papel no desenvolvimento da sexualidade dos nossos alunos, pois se uma criança não tem desde cedo um esclarecimento sobre assuntos ligados ao sexo, não compartilha seus medos e ansiedade com seus pais, se os pais não lhe dão apoio nas suas descobertas, certamente será um adolescente carregado de dúvidas e, provavelmente um adulto com complexos , culpas e preconceitos. A sexualidade infantil estabelece as bases para a sexualidade na adolescência e para a sexualidade da vida adulta e cabe a família e a escola cumprir sua função social na vida desses indivíduos.

    No mais, muito obrigada Professor, por todo esclarecimento e habilidade em dialogar um assunto tão questionado no mundo de hoje...

    Brun Heloisa Silva Raiol
    Pós-graduação Orleans

    Em: 24-11-2012

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