quinta-feira, 31 de março de 2016

Dinâmica das Emoções e Autorrealização

Figura 1: circuito de Papez e as áreas do sistema límbico, com destaque para as relacionadas com a circuitaria emocional.


As Neurociências têm proporcionado mudanças significativas na maneira como interpretamos o comportamento, tanto no que tange ao individual assim como no coletivo. Dentre as reavaliações e mudanças, pretendemos traçar um diálogo entre a Teoria da Pirâmide das Necessidades de Maslow, o conceito de alostasia e os estudos mais divulgados sobre a dinâmica das emoções, importantes tópicos na área de gestão de pessoas, e consequentemente, na formação de líderes nos níveis educacionais e corporativos.
A pirâmide das necessidades e toda a sua proposta holística não pode ser vista como algo estanque e mecanicista, no qual o todo é igual a soma das partes, sem fluidez entre os diferentes estratos, como se para alcançar o estrato superior fosse necessário estar pleno nos estratos mais elementares e básicos da mesma. A pirâmide é uma estrutura dinâmica e fluida, sistêmica, derivada, mas que vai além das psicologias humanísticas, naquilo que Maslow se refere como a emergência de uma quarta psicologia, uma psicologia mais transpessoal, cósmica, além das necessidades humanas, do indivíduo, da individuação.
Também importante para nossa discussão é a ideia de Alostasia, a tendência de os processos fisiológicos se manterem oscilantes próximos a um ótimo (ótimo este que é sempre idealizado). Este conceito foi batizado por Walter Cannon em 1929 como homeostasia, que seria uma tendência destes estados permanecerem em equilíbrio. No entanto, a vida como sugere o bioquímico Ilya Prigogine, é um estado afastado do equilíbrio, por este motivo atualmente utilizamos o termo Alostasia, que é esta tendência de os estados oscilarem próximos a um ótimo estabelecido. Como em uma eletrocardiografia, onde há uma onda que representa o fluxo de corrente ao longo dos feixes de músculos e fibras do coração, se essa linha se torna fixa no ponto central é devido à falência do miocárdio e consequente morte do indivíduo se não for socorrido a tempo.
 No filme O Ponto de Mutação, baseado no prestigiado livro de Fritjof Kapra, existe um debate acerca de diferentes visões de mundo, e uma bela relação entre a ideia de Prigogine e a impossibilidade de equilíbrio no curso de nossas vidas, no diálogo o personagem diz “as pedras falam e eu me calo”. Esta interpretação remete a passagem do novo testamento, no Evangelho segundo Marcos, das tentações de Jesus no deserto: Jesus estava muito perturbado e atribulado, pensando nas suas tentações e na sua vulnerabilidade diante das exigências da vida e de perfeição para sua obra e chega a conclusão de que as pedras estão em equilíbrio, pois não são vivas, e Jesus, enquanto entidade viva não poderia estar em equilíbrio. Somos organismos afastados do equilíbrio, que tendemos ao caos do universo e lutamos para manutenção e perpetuação da nossa ordem, do nosso equilíbrio e assim desorganizamos ainda mais o Universo. Como em uma corda bamba, assim dança a vida.
No que se refere à pirâmide das necessidades também devemos pensar a mesma enquanto algo afastado do equilíbrio, havendo fluidez e alostasia entre as necessidades em seus diferentes níveis. Hoje sabemos que o pertencimento, a aceitação de si e dos outros no nível social pode estar preponderte ou conjuntamente com necessidades que seriam julgadas como mais elementares e precedentes, como beber, comer, dormir. Também, uma pessoa pode colocar à frente das suas necessidades básicas a autorrealização, é bem sabido de pessoas que dormem e comem significativamente menos para atingir objetivos relacionados ao seu ofício e realização profissional.


Figura 2: Pirâmide das Necessidades de Maslow.


Um ponto de fluidez mais elementar é o fato de indivíduos responderem de forma semelhante a uma dor física e uma rejeição. Para testar isso Eisemberg (2015a) realizou um experimento onde pessoas eram submetidas a um jogo de computador, então representadas por um avatar jogando vôlei com outros dois avatares que não eram pessoas reais, mas sim programas delineados para em um dado momento deixar de lançar a bola para o avatar do sujeito experimental. Simultaneamente eram realizados imageamentos cerebrais e o striatum ventral, no giro do cíngulo anterior, relacionada a dor física, estava bastante ativo. Portanto, organismos humanos são sociais por excelência, e nossas necessidades de pertencimento estão em um mesmo nível de saciedade que as necessidades de segurança ou mais especificamente, ambas são percebidas em uma mesma modalidade cognitiva pela mente (Eisemberg, 2015b).
Por outro lado, evitar o sofrimento e a tristeza e ir em direção a alegria e o prazer costuma ser bem mais complexo do que apenas a busca pelo alimento ou conforto fisiológico. Como escreve Spinoza, no livro Ética, parte III, da Natureza dos afetos humanos, o amor é uma alegria acompanhada da ideia de uma causa externa, a alegria é uma emoção, a ideia que tem como expressão a emoção poderia ser outra pessoa; em nossas vidas, podemos tranquilamente dispor de menos alimento se repartirmos o mesmo com um filho, podemos ficar menos saciados mas isso nos faz mais feliz e realizado do que ter uma disponibilidade maior de suprimentos naquele instante. São conhecidos exemplos ao redor do mundo de pais que abdicam de suas necessidades básicas para verem saciados seus filhotes, isso em humanos e muitos outros animais. Evitar o sofrimento a outrem que amamos, por este outro pertencer a nós, por este outro estar representado fortemente enquanto ideia dentro de nós, uma ideia que nos gera alegria e aumenta nossa motivação e, nas palavras do filósofo de Haia, aumenta nossa potencia de vida. Estamos falando de abdicar de recursos valiosos para a sobrevivência, como comer, beber, dormir, em prol das chances de manutenção e sobrevivência da estrutura de outro ser (Spinoza, 2008). Uma análise de muitos dos mecanismos cognitivos, neurais e comportamentais das emoções e sentimentos pode ser encontrada na obra “Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos”, do Neurocientista António Damásio (2003).
Na base da pirâmide temos as necessidades fisiológicas, sem as quais não podemos sobreviver.  O segundo estrato é caracterizado por necessidade de segurança, segurança do corpo, segurança no trabalho, segurança para a família. O terceiro grau na hierarquia das necessidades é o amor e pertencimento, que são atributos sociais discutidos em primeira mão neste texto. No quarto degrau temos a estima, o respeito aos outros e dos outros, a confiança que sentimos em nós mesmos e no mundo. O próximo e ultimo grau é diferente de todos os demais, pois não é uma necessidade saciável, originária de apetites, para usar o termo spinozano, mas uma necessidade que emerge a partir e acima das demais, a autorrealização.
A autorrealização, segundo a teoria de Maslow, não pode ser objetivada se as demais necessidades básicas não forem supridas, ponto este já discutido e refutado como tese central da presente análise. Em decorrência da sua característica enquanto retroalimentação positiva, a autorrealização não apresenta um ponto fixo a ser alcançado, mas constitui um processo constantemente em desenvolvimento, significa que as potencialidades do eu/self necessitam ser constantemente atualizadas (por isso, o conceito “self-actualization”) (Heylighen, 1992). Heylighen (1992) ainda analisa a situação de uma pessoa que tem todas as necessidades mais elementares da pirâmide satisfeita, provavelmente esta seria a pessoa mais feliz do mundo, no entanto, não parece ser sempre assim. Em outras palavras, autorrealização é aquilo a que chamamos de dar sentido as nossas vidas, de tornarmo-nos plenos ao longo do caminho, de uma busca, e ao mesmo tempo, esta plenitude abre espaço para novos desejos e experiências.
Também aqui é possível traçar correlatos entre a teoria de Maslow, mais especificamente ao amplo preenchimento dos estratos básicos da pirâmide das necessidades e o conceito de alostasia, esta flutuação dos estados fisiológicos e psicológicos de oscilarem próximos a um ótimo. Parafraseando o dramaturgo, antipsicoterapeuta e anarquista Roberto Freire, em seu livro Coiote, a felicidade é como o vento, às vezes é brisa, noutras tempestade, e por vezes é dia mormacento sem nem um pinguinho de vento. Oscilamos entre levemente felizes e levemente tristes, a tristeza branda ou bile branca dos filósofos e alquimistas, também denominada melancolia, cuja história do pensamento é lindamente discutida por Moacyr Scliar em “Saturno nos Trópicos: a melancolia europeia chega ao Brasil”. Portanto, este oscilar entre uma tristeza moderada e uma felicidade moderada constitui o cerne do que motiva e impulsiona a autorrealização, é o processo que nos leva em busca de algo mais que a satisfação de necessidades essenciais, segurança, conforto, amor e relacionamentos.
Um ponto importante da teoria das pessoas autorrealizadoras é que Maslow realizou observações e estudou a vida de mais de uma centena de grandes personalidades e sua teoria vai muito além da pirâmide. A capacidade que o individuo tem de estar aberto a novas experiências constitui ponto inicial das características das pessoas autorrealizadores, no que Maslow denominava openness to experience. Geralmente estas pessoas apresentam uma visão mais apurada da realidade e relação mais satisfatória com a mesma.
Como apontado por Martin Seligmann, o mentor da Psicologia Positiva, em sua obra de divulgação “Felicidade Autêntica”, as pessoas com a visão mais apurada da realidade são aquelas cujas emoções oscilam entre levemente felizes e levemente tristes (Seligmann, 2003). Novamente a ideia de oscilar parece fundamental na análise do sucesso do empreendimento da autorrealização.
Do ponto de vista educacional, não caberia no presente texto análise mais profunda dos papéis que os estudos em psicologia positiva teriam para os processos educacionais, o que pode ser possível em outro momento. Um possível desdobramento para a aprendizagem decorre do entendimento do fluxo de imagens mentais durante eventos de tristeza branda e alegria branda. Segundo Damásio (2003), quando estamos vivenciando emoções negativas, há um diminuto fluxo de imagens mentais, somos mais monotemáticos em nossos pensamentos e nos detemos mais demoradamente nestas poucas imagens mentais, num processo que poderíamos denominar de pensamentos “ruminantes”. Por outro lado, quando experienciamos emoções positivas há um fluxo aumentado de imagens mentais e pouco conseguimos nos deter em uma imagem específica.
O fluxo cognitivo mais intenso seria adequado em momentos de aprendizagem que exigisse do aluno mais criatividade, quando ele precisa ter ideias, ou ser criativo na análise de caminhos a seguir, o que chamamos de tempestade de ideias, ou “brain storm”. O educador/educadora pode ter posturas mais alegres para motivar seus alunos na tomada de decisões sobre os argumentos necessários a um tema de redação. Também nas corporações, os líderes devem fazer uso de expedientes mais alegres e positivos emocionalmente quando necessitam de criatividade de seus colaboradores. Na contramão emocional, educadores e líderes corporativos devem conduzir seus alunos e colaboradores para emoções mais negativas, um ambiente mais melancólico quando se fizer necessário foco em poucos tópicos para o bom desenvolvimento de uma tarefa ou na realização de um exercício específico de matemática, no qual o aluno precisa ficar focado em um tópico e com reduzido fluxo de ideias e imagens mentais. Se durante a criação de argumentos para os temas da redação faz-se necessário aumentado fluxo de imagens mentais e, portanto, emoções mais positivas, durante a dissertação dos argumentos seria interessante valorizar emoções negativas como a melancolia para não perder o foco no tema e ficar centrado nos argumentos já criados anteriormente.
Muitos desdobramentos, tanto em ambientes educacionais quanto corporativos, são possíveis a partir da primeira análise aqui realizada. A psicologia positiva precisa ir adiante ao que concerne as emoções, reforçamento de traços de caráter, assim como, formação de lideranças positivas nas corporações. O entendimento da dinâmica das emoções também propicia melhores relações interpessoais e necessita novos estudos em suas aplicabilidades na educação e gestão de pessoas. Nossa análise é limitada e teve por objetivo motivar o interesse em diferentes interfaces da psicologia, neurociências, educação e formação de líderes, tendo em vista os grandes desafios que diferentes setores da sociedade têm pela frente no que tange ao uso das emoções enquanto reforçadores de aspectos positivos do caráter das pessoas e da confiança nas instituições.

Bibliografia:
Capra, F.(1985) O Tao da Física. São Paulo: Cultrix, 1985.

Damásio, A. R. (2003) Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos. São Paulo: Cia. das Letras, 2003.

Eisenberger, N.I. (2015a). Meta-analytic evidence for the role of the anterior cingulate cortex in social pain. Social Cognitive and Affective Neuroscience, 10, 1-2. Eisenberger(2015)SCAN.pdf

Eisenberger, N.I. (2015b). Social pain and the brain: Controversies, questions, and where to go from here. Annual Review of Psychology, 66, 601-629. Eisenberger(2015)ARP.pdf

Heylighen, F. (1992). A cognitive-systemic reconstruction of Maslow´s theory of self-actualization. Behavioral Science, Volume 37, 1992. Disponível em: http://pespmc1.vub.ac.be/Papers/Maslow.pdf. Acesso em: 02.jan.2016.

HSM experience. Gestão voltada para o cérebro. Disponível em: http://experience.hsm.com.br/posts/gestao-voltada-para-o-cerebro. Acesso em: 01.set.2015.

Inagaki, T.K., Muscatell, K.A., Moeini, M., Dutcher, J., Jevtic, I., Irwin, M.R., & Eisenberger, N.I. (2015). Yearning for connection? Loneliness is associated with increased ventral striatum activity to close others. Social, Cognitive, and Affective NeuroscienceInagaki(2015)SCAN.pdf 

Meyer, M.L., Williams, K.D., & Eisenberger, N.I. (2015). Why social pain can live on: Different neural mechanisms are associated with reliving social and physical pain. PLoS OneMeyer(2015)PLOSOne.pdf

Prigogine, I. (2011). O Fim das Certezas: tempo, caos e as leis da natureza. 2. ed. São Paulo: Editora Unesp.

Prigogine, I. (1977). Time, structure and fluctuations. Nobel Lecture.

Seligman, M. E. P. (2003). Felicidade Autêntica. Rio de Janeiro: Ponto de Leitura.

Scliar, Moacyr. (2003) Saturno nos trópicos: a melancolia europeia chega ao Brasil. São Paulo: Cia das Letras.

Spinoza, Benedictus de. (2008) Ética. 2.ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora.

O fim das culpas e a autorrealização (Em homenagem a Abraham Maslow)


Culpas que carrego comigo
Que escrevo, mas não reprimo.
Culpas de tempos em que eu ainda não era.
Culpas que a existência te exige a pagar
Antes mesmo de dever.
Pecados que não tens
E que a arte ajuda a apagar
Culpas que conquistastes por temer.
Espontaneidades que tens que permitir
Para que sejas especial nas aprendizagens que colheste.
Desapegar-se de ideias que não te pertencem,
De qualquer materialidade que te oprima.
Relações mais satisfatórias
Consigo e com o mundo há de ter.
A culpa que sai de ti
É aquela que não se dá ao outro.
O preço imposto pelo Grande Outro é irreal demais para se arcar.
Vantagens mesmo o mundo te trará
Nas experiências místicas; culminantes.
Um viver mais intenso, profundo; humano.
Sem medos, sem outros ais.
Retire de ti o mais que puder o ego
E nos problemas deverás te centrar.
Compreendas que o que és
São apenas superfícies de uma borda ilusória.
Perder-se nas realidades relacionais,
Levando consigo um projeto de individualidade.
Ser e estar enquanto verbos diferenciados.
Um recomeçar resiliente, melancólico também.
Um pouco de partícula ficará da onda,

Da obra em ouro do ser autorrealizador.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Neurofisiologia e a Formação Docente


As células nervosas são as unidades elementares que atuam na elaboração do comportamento, das sensações, da percepção, do controle dos movimentos e das emoções, compreende-las significa um importante passo no entendimento da aprendizagem. Todas as modificações que ocorrem durante a aprendizagem ocorrem em um primeiro momento nessas células, entender as alterações no tecido nervoso decorrente de aprendizagens ou do desenvolvimento auxiliam na tomada de decisões do dia a dia do educador. Tais saberes se inserem no processo educacional de maneira que o educador e os administradores educacionais possam elaborar estratégias que facilitem a aprendizagem, bem como contribuir de forma marcante e crítica na elaboração dos cardápios da merenda escolar, na administração de psicofármacos e nas diferentes alternativas de estimulação neural.
As células nervosas são compostas de quatro partes principais (figura 1). Inicialmente, os dendritos, bastante ramificados e que são as portas de entrada de estímulos na célula (em suas porções terminais formam os botões pós-sinápticos), estímulos estes que podem vir de células sensoriais na retina, na pele ou no epitélio olfatório no nariz, das células da orelha interna ou ainda das papilas gustativas localizadas na língua, ou podem vir de outras células dos sistemas nervoso, imune ou endócrino. O corpo celular, onde encontramos o núcleo e os principais componentes celulares, tem importante função na fabricação das moléculas comunicantes do sistema e na tomada de decisões da célula neural, de seguir transmitindo o impulso ou de bloquear o mesmo. Os dendritos e o corpo celular constituem o que costumamos designar por substância cinzenta ou massa cinzenta do cérebro. O axônio é o fio condutor de estímulos até o próximo neurônio ou ainda até uma célula muscular, ele é único, mas pode se ramificar em centenas de milhares de botões terminais (ou botões préssinápticos) e apresentar 10.000 ou até 100.000 outras conexões. Por ultimo, as fendas sinápticas, espaços nos quais as células neurais se comunicam umas com as outras; são estreitas conexões entre os botões terminais préssinápticos dos axônios e os botões pós-sinápticos geralmente localizados nos prolongamentos de dendritos e nos corpos dos neurônios comunicantes. Neste local são liberados pelo neurônio préssináptico os neurotransmissores que irão atuar nas membranas plasmáticas pós-sinápticas.


FIGURA 1 – Neurônio contendo suas principais estruturas citoplasmáticas.
FONTE: CARLSON, Neil. Fisiologia do comportamento. 7.ed. São Paulo: Manole, 2002. p. 28.

Tão importante quanto os saberes sobre esta estrutura, é sua constituição molecular, em especial a constituição do longo cabo condutor de estímulos; o axônio. Os axônios são as porções das células nervosas que constituem a substância branca, responsável pela condução do impulso elétrico e do sinal ao longo da sua extensão até a fenda sináptica. De maneira metafórica podemos pensar neste cabo enquanto um fio de eletricidade, que estando encapado conduz de forma mais rápida e precisa a eletricidade, deixando a habilidade cognitiva mais rápida e de maior precisão. A substância branca deve-se ao fato de o axônio apresentar um revestimento lipídico, uma gordura, que isola eletricamente esta parte da célula, a Bainha de Mielina. Assim, quanto melhor encapado mais eficaz será a transmissão e condução do sinal e facilitada será a liberação de neurotransmissores na fenda sináptica.
Um fundamental desdobramento deste conteúdo na formação docente refere-se aos hábitos alimentares e seu impacto sobre os processos cognitivos, a saúde e integridade do sistema nervoso. A bainha de mielina, aquela capa de lipídios que reveste os axônios e aumenta a velocidade da condução eletroquímica das células nervosas, é formada principalmente por Omega 3 (presente nos peixes, ovos e derivados de animais que forrageiam, sem serem criados com ração, e de forma menos eficiente e acessível nos grãos como quinoa, amaranto, linhaça) e por Vitamina B12, a cianocobalamina, sintetizada pelas bactérias da nossa flora intestinal (iogurtes) a partir do sal mineral cobalto (encontrado em folhas de verde intenso, como rúcula, couve, brócolis). A maioria dos casos de depressão pós-parto poderiam ser resolvidos com adição de Omega 3 na dieta das gestantes e lactantes, que necessitam prover os fetos e recém nascidos deste ácido graxo para formação do sistema nervoso dos mesmos.
Outro componente importante na formação da bainha de mielina é a Vitamina D (calciferol) cujo precursor é encontrado em peixes, gema do ovo, óleos vegetais, mas que necessitam de raios UV para serem transformados na vitamina ativa. Por este motivo, pessoas que ficam muito tempo sem sol podem desenvolver inclusive transtornos do humor (Callegaro, 2006). De 15 a 20 minutos de raios de sol diretamente sobre a pele, sem estar filtrado por vidro ou protetor solar, com 25% do corpo exposto.
Existem nutrientes diretamente relacionados com a memória e aprendizagem. Um dos principais neurotransmissores envolvidos na aprendizagem é a Acetilcolina, formado por agrupamentos acetil, comuns nas células, e colina, substância encontrada na gema do ovo. Também a Vitamina B1, ou tiamina, encontrada em leveduras, cacau, amendoim, castanhas, está diretamente correlacionada com a memória de fatos e dados, o que sua insuficiência no cérebro, provocada pelo consumo abusivo de álcool poderá dificultar a absorção e disponibilidade desta vitamina e provocar amnésia alcoólica.
Devemos dar preferência para os açúcares dos vegetais (frutose) que elevam os níveis glicêmicos lentamente, o suficiente para ter energia para os processos cognitivos; os açúcares de cadeia curta, como os refinados (sacarose) e farinhas brancas elevam em demasia os níveis glicêmicos gerando estresse para o corpo e para a mente e diminuindo a capacidade de atenção e concentração.
O estudo da neurofisiologia e da neuroquímica por parte dos educadores pode alterar profundamente os hábitos alimentares de toda a comunidade escolar, e serem aliados poderosos nos processos educacionais, além de aprender sobre bons hábitos alimentares, compartilhar o alimento aumenta as amizades, a empatia e os vínculos emocionais entre as pessoas.
Outro importante aspecto para a educação é o entendimento do funcionamento das substâncias na fenda sináptica. Nesta região, enquanto nos botões préssinápticos são liberados os neurotransmissores (as chaves), no botão pós-sináptico existem receptores (fechaduras), locais nos quais estes neurotransmissores se ligam para promover a abertura de canais que estimulam o neurônio pós-sináptico, novamente em linguagem metafórica, como uma chave em uma fechadura. Muitos dos nossos conhecimentos, advindos das propostas psicofarmacológicas, se fundamentam na ideia de que quanto mais neurotransmissor (mais chaves), melhor, o que pode ser analisado a partir dos mecanismos de ação dos principais medicamentos utilizados, como o Metilfenidato, princípio ativo que é prescrito para Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade e Impulsividade, também utilizado como psicofármaco em inúmeros outros diagnósticos ou sintomatologias, ver revisão das controvérsias em Campbell-Araujo e Figueroa-Duarte, 2002. Esta substância atua mantendo a dopamina, neurotransmissor envolvido com inúmeros processos mentais tais como sistema de recompensa, controle da motricidade fina e controle dos impulsos, por mais tempo na fenda sináptica, o que significa maior estimulação dos receptores e maior atividade neural nas vias dopaminérgicas específicas. As etapas dos principais eventos relacionados ao mecanismo de ação dos neurotransmissores e a interação com algumas substâncias pode ser visualizado na Figura 2.


Figura 2 – Exemplos das diferentes etapas da transmissão sináptica e como algumas drogas  (agonistas e antagonistas) podem alterar a transmissão.
FONTE: CARLSON, Neil. Fisiologia do comportamento. 7.ed. São Paulo: Manole, 2002. p.106.

No entanto, em um estudo realizado em macacos submetidos à dependência de cocaína que se autoadministravam a droga, os indivíduos que gozavam de maior prestígio e estavam mais acima na hierarquia social usavam significativamente menos droga do que os subordinados, e apresentavam maior nível de receptores (as fechaduras) para dopamina da classe D2, relacionado ao sistema de recompensa (Kuhar, 2002). Mais receptores para o prazer, menores as chances de comportamentos de risco e uso abusivo de drogas. A cocaína também é uma substância que inibe a recaptação da dopamina, aumentando a sensação de recompensa no cérebro, motivo pelo qual esta droga provoca forte dependência química. Portanto, mais importante do que despejar ou manter grandes quantidades de neurotransmissor na fenda parece ser apresentar uma maior quantidade de receptores no botão préssináptico.
Muitos desdobramentos para análise e discussão emergem destes conhecimentos de neuroquímica, mas podemos destacar dois pontos cruciais na prática e crítica docente. Primeiramente, o uso indiscriminado e pouco criterioso de grandes quantidades de psicofármacos com muitos efeitos colaterais indesejáveis (vide qualquer bula de Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina nos transtornos do humor ou de fármacos a base de metilfenidato como o Concerta, 2015) e efeitos terapêuticos questionáveis. O outro ponto está relacionado imediatamente com um papel central da escola, o de inclusão e ponto de suporte para o crescimento pessoal e ascensão social. A escola na maioria das vezes é o único lugar da realidade social de nossas crianças e adolescentes que possibilita um vislumbre real de melhoria na qualidade e satisfação frente à vida, um aumento nas chances de sobrevivência e perpetuação de si, bem como, coerência de suas estruturas. Colocar o aluno “para cima” de maneira apropriada é papel crucial de qualquer educador.
Nos estudos básicos sobre o tecido nervoso, na formação continuada para educadores, valiosos são os estudos sobre neuroplasticidade. A plasticidade neural pode ser definida como toda modificação estrutural ou química no sistema nervoso decorrente da aprendizagem, de experiências, após lesões, traumas (Lent, 2004). Mudanças no ambiente externo e/ou interno do organismo geram respostas plásticas dos neurônios. O principal propósito da aprendizagem é adaptar o organismo com sucesso ao ambiente, que está sempre em mudança. As mudanças no ambiente podem representar mudanças significativas na morfologia celular do cérebro e na sua anatomia. Existem inúmeras maneiras de estas mudanças ocorrerem, a mais comum delas é a proliferação dos espinhos dendríticos, que crescem na direção de outros neurônios para estabelecer novas conexões sinápticas. Como discutido anteriormente, um neurônio pouco estimulado, uma célula estelar (formato de estrela) localizada na superfície do cérebro, apresenta aproximadamente 10.000 conexões com outras células neurais. A partir da estimulação diferencial, este número pode saltar para 100.000 conexões. Existe um crescimento dos dendritos em direção a outras células neurais a partir do momento que o neurônio necessita produzir respostas a mudanças do meio. Em dois grupos de ratos, um submetido a ambiente empobrecido com apenas comida e água, e o outro grupo com ambiente enriquecido com barra para roer, roda de estimulação, rampa e estratos elevados do ambiente e posteriormente foram analisadas as células estelares do córtex cerebral nos dois grupos de ratos. As células estelares são as principais células relacionas a plasticidade neural a partir da aprendizagem. No grupo de ratos com ambiente enriquecido, as células estelares proliferaram suas conexões para dar conta de responder ao enriquecimento e aumento de estímulos, como pode ser visto na Figura 3.




Figura 3: Experimento demonstrando a plasticidade neural a partir da aprendizagem e do aumento do número de conexões neurais das células estelares do córtex.

Ambientes educacionais empobrecidos não proporcionam a proliferação ampla de conexões sinápticas, o que pode ter implicações negativas para futuras reestruturações ao longo da vida do indivíduo. Os painéis, exposições de trabalhos dos alunos, esquemas e mapas conceituais, herbários e laboratórios, hortas, computadores e demais instrumentos disponibilizados nas salas de aula equivalem aos brinquedos na caixa do segundo grupo de ratinhos. Os trabalhos dos alunos expostos nas paredes da sala de aula apresentam um componente a mais neste sentido, pois proporcionam vinculação emocional ao ambiente de aprendizado, respostas de vínculo, segurança e pertencimento, diminuindo o estresse. Não por acaso, as crianças procuram imediatamente os seus trabalhos entre os vários publicados nas paredes da escola.
            Outra questão importante é a ocorrência do que Ramachandran denomina “membro fantasma”. Este pesquisador da Universidade da Califórnia, em San Diego, realizou inúmeros experimentos de discriminação de estímulos sensoriais utilizando um cotonete, mas também trabalhou com pessoas que haviam amputado alguma parte do seu corpo. Durante um experimento com um homem que havia amputado o braço, o pesquisador solicitou para ele que fechasse os olhos e tocou suas bochechas com um cotonete. O paciente relatou estar sentindo o cotonete na bochecha e no seu braço amputado. Como o homem sentiu o toque na bochecha e no seu braço amputado? O que ocorre neste caso é que o mapa somatossensorial, ou seja, as áreas corticais primárias das sensibilidades do corpo são adjacentes umas as outras, e muitas vezes estas representações podem se confundir (Ramanchandran, 2004). Ver o texto sobre mapas somatotópicos em Relações entre imagem corpórea e identidade sexual e social.
            De maneira ampla o cérebro pode se adaptar consideravelmente ao longo da vida. Uma criança apresenta um potencial maior de plasticidade do cérebro do que um indivíduo adulto, mas os inúmeros casos de pessoas que sofreram traumatismos cranianos com lesões no cérebro ou mesmo de isquemias e acidentes vasculares cerebrais e que perdem alguma habilidade específica, como a fala, ou a motricidade de um membro, ou mesmo a sensibilidade de uma área do corpo e que com o tempo voltam a ter estas habilidades novamente. Áreas adjacentes àquela lesionada assumem o controle ou a percepção do conjunto de neurônios mortos. A estimulação será importante componente de reabilitação neuropsicológica, trabalho amplamente desenvolvido por fonoaudiólogos, fisioterapeutas e neuropsicólogos. Pouco na literatura é discutido sobre o papel da estimulação diferencial e seu uso nos ambientes educacionais em crianças com dificuldades de aprendizagem ou aquelas que desejem melhorar suas habilidades e aptidões ou adquirir algumas novas.
Em um experimento clássico (Jenkins et. al., 1990) um macaco foi treinado por uma hora por dia para realizar uma tarefa que requeria o uso dos dígitos 2 e 3, e ocasionalmente, o dígito 4. Após 3 meses eles mediram as áreas do córtex motor primário dos indivíduos antes e depois de receberam a estimulação diferencial. A figura 4 ilustra as alterações estruturais do encéfalo devido à aprendizagem.



Figura 4 - A1: Estimulação diferencial dos dígitos 2,3 e 4 de macaco, A2: áreas do mapa somatotópico no córtex representando os dígitos antes da estimulação diferencial e A3: após a estimulação diferencial.
FONTE: KANDEL, Eric, SCHWARTZ, James e JESSELL, Thomas. Princípios da neurociência. São Paulo: Manole, 2003. p.1274.

            Proporcionar e motivar o educador e educadora para a busca de conhecimentos nas áreas de Neurociências, Fisiologia e Ciências Cognitivas de forma aprofundada é de fundamental importância se quisermos melhorar as capacidades de aprendizado dos educandos, fundamental para todos os processos de educação inclusiva e especial. Também estes conhecimentos se tornam particularmente importantes no que tange a uma formação crítica do educar/educadora, bem como, nos desafios que constituem o fazer educacional em tempos de humilhação, desmerecimento e ridicularização do papel do professor, delegado a um plano marginal e com condições de trabalho insalubres. Educar e instruir não são papéis para aventureiros, nem tampouco deve ser pensado por políticos que desconheçam os processos e a importância desta instância na construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Referências bibliográficas:
Callegaro, J. N. Mente criativa: a aventura do cérebro bem nutrido. Petrópolis: Vozes, 2006.
Campbell-Araujo, O. A. & Figueroa-Duarte, A. S.  Trastorno Del déficit de La atención-hiperatividad (TDAH): Tópicos de controversia em su dignóstico y tratamiento. Archivo de Neurociencia de México. 7(4): 197-212. 2002.
Carlson, Neil. Fisiologia do comportamento. 7.ed. São Paulo: Manole, 2002.
Concerta: Cloridrato de Metilfenidato. São José dos Campos: Janssen-Cilag Farmacêutica LTDA, 2015. Bula de remédio. Disponível em: http://www.janssen-cilag.com.br/bulas/concerta%C2%AE. Acesso em: 20 jan 2015.
Kandel, Eric, Schwartz, James e Jessell, Thomas. Princípios da neurociência. São Paulo: Manole, 2003.
Kuhar, Michael. Social rank and vulnerability to drug abuse. Nature Neuroscience 2(5):88-90, 2002.
Lent, Roberto. Cem bilhões de neurônios: conceitos fundamentais de neurociências. São Paulo: Atheneu, 2004.

Ramanchandran, V. S. & Blakeslee, S. Fantasmas no cérebro. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora Record, 2002.

domingo, 28 de junho de 2015

Relações entre imagem corpórea e o desenvolvimento da identidade sexual e social

Por Rodrigo Sartorio e Analice Stefanello



1                                  Imagem corpórea

Uma das principais marcas da adolescência é o estirão do crescimento que promove a perda relativa da identidade corpórea. Temos no córtex cerebral dois mapas somatotópicos (figura 1), mapas no cérebro da topografia do nosso corpo. Quando o corpo muda muito rápido o cérebro demora a ajustar a ideia que faz dele e consequentemente ocorrem os conhecidos desastres, como derrubar algo na mesa do jantar, pois o cérebro comanda um braço e uma mão maiores do que os representados por ele, assim é natural esses percalços motores no dia a dia dos jovens. O andar desajeitado de muitos adolescentes, e a postura por vezes arqueada de gente que cresce rápido e vertiginosamente também são característicos deste momento do desenvolvimento. De forma similar as mulheres grávidas esbarram frequentemente o ventre nos objetos e móveis, pois a representação do ventre na mente é diferente da extensão e formato do mesmo. Como diz a música “Não vou me adaptar” dos Titãs: “Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia, no espelho esta cara não é minha, mas é quando eu me olhei achei tão estranho, a minha barba estava ‘deste’ tamanho”.


FIGURA 1 – a. mapa somatotópico sensorial b. mapa somatotópico motor, mostrando as projeções das diferentes áreas primárias das sensibilidades gerais e do córtex motor primário (execução motora).
FONTE: Modificado de KANDEL, Eric, SCHWARTZ, James e JESSELL, Thomas. Princípios da neurociência. São Paulo: Manole, 2003. p.344.

Isso também explica em grande medida o porquê de adolescentes baterem as portas e terem comportamentos abruptos, após uma discussão grave em casa ou na sala de aula. Pais e professores poderiam interpretar isso como sinal de afronta, e geralmente, se torna afronta quando encarado como tal. Imagine um contexto de sala de aula onde há uma situação de estresse (os hormônios do estresse como a epinefrina – novo nome dado à adrenalina – aumentando o tônus muscular, os batimentos cardíacos e a respiração), em que o adolescente tem braços mais longos e mais fortes do que o cérebro controla, o aluno é convidado a se retirar de sala por indisciplina e bate a porta com muita força. O professor pode considerar isso como um ato de violência ou, inversamente, imaturidade física, e dependendo da interpretação do professor ou do quanto isso já foi discutido em sala, pode significar uma ou outra coisa.
A grande maioria das agressões do bullying relaciona-se a algum aspecto da imagem corpórea, dos trejeitos engraçados ou afeminados nos meninos e masculinizado nas meninas, ou ainda, de problemas relacionados à obesidade, anorexia, ou falta de habilidades físicas. Um aspecto importante para educadores físicos, nas disciplinas de artes (tanto plásticas, visuais e cênicas), bem como, em literatura e línguas é o exercício das habilidades cinestésicas e construção apropriada da imagem corpórea. Através da exploração e aquisição de conhecimentos relacionados à cultura corporal aprende-se a intenção de expressões e comunicação por meio dos gestos e ações motoras. Atividades artísticas e rítmicas, conhecimentos em anatomia e fisiologia e participação em jogos motores também contribuem na construção da auto-imagem, bem como, essas experiências podem auxiliar nas condutas relacionadas com a imagem corpórea própria ou no julgamento do outro.  
Na adolescência, onde o esquema corporal e a identidade corpórea são fatores que geram muitos conflitos, existem maneiras interessantes de se reorganizar o mapa do corpo no cérebro.
Inicialmente, alguns exercícios e treinos relacionados à psicomotricidade global (correr, saltar, nadar) e fina (falar, escrever, desenhar, digitar) podem e devem ser desenvolvidos. Adolescentes adeptos de esportes com regularidade e/ou que tocam algum instrumento musical irão superar esta perda da identidade corpórea mais rapidamente, pois o cérebro promove com maior sintonia e agilidade o ajuste das representações que realiza do corpo. Ao chutar uma bola no futebol, rebater uma bola de vôlei, fazer um drible ou tocar bateria faz-se necessário ter noção da extensão dos membros e saber a força e direção do movimento, importante para que as partes do corpo necessárias para tais habilidades sejam utilizadas com precisão.
O uso de espelhos é outra maneira interessante na reorganização dos mapas somatotópicos, o que constitui importante motivo pelo qual adolescentes despendem tanto tempo no banheiro, local da casa que geralmente tem espelho privilegiado; atividades físicas (não necessariamente esportes), e a combinação destes dois, atividade física em frente a espelhos (por que será que as academias são tão ricas em espelhos?) será de grande valia. Portanto, o comportamento corriqueiro de se prostrar na frente do espelho verificando cada pedaço do rosto e do corpo, os meninos verificando a espessura e rigidez dos músculos e as meninas atestando o formato e tamanho dos seios, pernas e nádegas, e ambos os sexos olhando muito o rosto, agora um pouco transformado e muitas vezes com as famigeradas espinhas e cravos que tanto mal fazem para a autoestima já ferida de um corpo que não é mais o de criança, mas que tampouco é de um adulto; corpo e mente em transformação radical.
Escutar música em alto volume, além de ativar a circuitaria do prazer (Herculano-Houzel, 2005) também permite uma reorganização da imagem corpórea. Não só escutamos com as orelhas, mas as ondas sonoras se chocam contra cada pedacinho de nosso corpo, o que gera um “escutar tátil”. Por exemplo, quando dançamos, as ondas sonoras da música estimulam os receptores táteis, propiciando uma idéia do corpo, e quando dançamos é como se recolhêssemos ondas sonoras com as extremidades de nosso corpo, o que promove alterações no mapa somatotópico. Imagine agora a combinação de música alta com a dança. Nas academias sempre está presente a música durante os exercícios, e também, em muitas atividades cotidianas como a faxina de nossos lares, tem de ter “aquela” música de fundo para o varrer, o passar o pano, cozinhar.
Há outras atividades, comuns nos namoros da adolescência, que ajudam no ajuste do esquema corporal, ao mesmo tempo em que definem a identidade sexual e social. Aqueles “amassos”, “agarros” e beijos nestes namoros, além de estimular o sistema de recompensa do cérebro, propiciam o ajuste, porque utilizam toda a ideia do corpo, conhecendo-se e conhecendo o corpo e os desejos do outro.
O ajuste do cérebro aos novos corpos é condição fundamental para a constituição da identidade sexual assim como social. Cérebros e corpos em sintonia permitem que o adolescente saiba o que é melhor para si, bem como, para sua sexualidade e seu contexto social.

2.                       Identidade sexual

               Como notamos no decorrer deste texto, problemas relacionados ao corpo ou ainda à imagem corpórea são fontes de muitas frustrações em adolescentes, ocasionando a baixa autoestima (característica comum entre as vítimas de bullying). É importante que, mesmo o adolescente estando com sobrepeso, ou macérrimo, possa ter uma real noção de seu corpo e sentir-se bem consigo mesmo, e para tanto, deve-se proporcionar espaços e atividades privilegiadas desse aprendizado de si. O sentir-se bem com seu corpo abre caminho para definições posteriores no desenvolvimento do sujeito, de relações sexuais e sociais.
Portanto, nossa discussão nos remete a outro ponto importante: a questão da identidade sexual, a formação de uma sexualidade, que tem início nos primeiros anos de vida e será desenvolvida ao longo de praticamente toda a existência do sujeito. Os estigmas e estereótipos criados acerca da sexualidade, e de comportamentos ditos “masculinos” e “femininos” figuram entre causas do bullying e de transtornos de humor e personalidade. Muitos dos preconceitos relacionados à sexualidade são perpetuados pelos próprios pais e educadores. Desde a pré-escola, ouve-se dizer que meninos devem brincar de carrinhos e meninas de bonecas, meninos não cozinham, meninas não jogam bola. Estes padrões de comportamento se estabelecem no cérebro desde tenra idade sendo que as preferências por padrões de objetos também são atávicas, ou seja, estão marcadas de forma indelével na arquitetura dos cérebros humanos.
A Psicologia Evolucionista tem oferecido respostas a muitos dos comportamentos humanos, realizando uma mediação entre aqueles traços humanos herdados e impressos na arquitetura de nossos cérebros e mentes e aquilo que nos é oferecido na forma de aprendizagem, relativizando a origem dos comportamentos como uma interação entre o biológico e o social, histórico e cultural. Nas palavras de Queiroz (2009), somos biologicamente culturais. Esta tendência tem ganhado destaque no mundo nos últimos 30 anos, e no Brasil existem grupos de pesquisa nas mais variadas instituições de ensino superior que se organizaram e publicaram em 2009 um livro básico desta disciplina, denominado Fundamentos de Psicologia: Psicologia Evolucionista, organizado pelas Professoras Maria Emilia Yamamoto e Ema Otta. Há uma explicação para o desenvolvimento de preferências relacionadas ao gênero, bastante aceita e com evidências científicas que utilizaram a Psicologia Evolucionista como base.
Para ilustrar como os aspectos evolutivos poderiam predispor a comportamentos e preferências relativos à sexualidade, as pesquisadoras Gerianne Alexander e Melissa Hindes (2002) usaram macacos velvets (Cercopithecus aethiops sabaeus) em experimento que machos e fêmeas eram submetidos a duas categorias de objetos para brincarem: brinquedos ditos “masculinos” e “femininos”. Estes animais não são influenciados pelo aspecto cultural, nem passam por um processo educacional como os humanos, que seriam reforçadores das preferências por brinquedos e muito menos eles podem apresentar um entendimento de suas identidades de gêneros, apenas podemos dizer que tais preferências evidenciam que cérebros de primatas desenvolveram sistemas de reconhecimento especializados para categorias de objetos que tenham valor adaptativo, como expressões faciais das emoções. No estudo, “meninos” velvet despenderam mais tempo com bolas e carrinhos de polícia, pois apresentam um padrão de deslocamento semelhante ao de uma caça. As “meninas” velvets permaneceram mais tempo em contato com brinquedos ditos “femininos” como bonecas e panelas, pois as bonecas para as fêmeas velvets representariam filhotes a serem cuidados e as panelas poderiam significar bons recipientes para coletar e armazenar frutos, brotos e sementes.
A sexualidade humana e as preferências relacionadas a esta sexualidade também estariam determinadas por aspectos inatos, mas moldadas pela experiência, aprendizagem e cultura. A maneira como nossos cérebros evoluíram no ambiente ancestral primitivo teria ocorrido a partir de sociedades caçadores-coletoras, com uma divisão sexual do trabalho, em que as mulheres seriam responsáveis pela coleta de frutos, brotos e sementes, e pelos cuidados iniciais com as crias. Os homens seriam responsáveis pela caça e pela segurança do bando.
Portanto, para coletar frutos, brotos e sementes, os cérebros de mulheres teriam sido selecionados para distinguir, com mais sofisticação, cores e texturas (pergunte a uma mulher a diferença entre tons de rosa, ou ainda a diferença entre um tom pastel e o bege, depois faça a mesma pergunta a um homem e veja os resultados – homens têm mais dificuldade em diferenciar e nominar estas cores). As mulheres também usam mais seus hemisférios cerebrais esquerdos em termos de habilidades lingüísticas e são mais cuidadosas e responsíveis aos filhos, pois além de cuidarem da cria, mantinham um amplo repertório de vocalizações para descrever frutos, brotos e sementes e para o cuidado cooperativo dos filhotes, bem como ensinarem a linguagem aos filhotes.
Para a caça e segurança do grupo outras habilidades cognitivas foram mais importantes nos homens, como por exemplo, saber se guiar no ambiente (homens são bons leitores de mapas) ou ainda, saber se esquivar e calcular a distância entre objetos (a baliza para estacionar automóveis). Ainda, para a segurança do bando, meninos costumam se exercitar mais em atividades que simulam a luta, bem como é mais difícil dois amigos brigarem de forma ruidosa, pois a briga entre dois homens deve ser mais ritualística, pois os custos de ferimentos e mesmo morte são maiores do que nas meninas.
E o futebol? A caça tem um padrão de deslocamento semelhante a uma bola, que quando tirada da inércia, se desloca sozinha, muito semelhante a uma lebre, tapiti ou tatu, um jogo de futebol mimetiza uma caçada. Por este motivo meninos preferem brincar com carrinhos e bolas, enquanto meninas preferem brincar de bonecas, casinha e panelas (que seriam nos contextos primitivos belos utensílios para carregar frutos, brotos e sementes, objetos pequenos e em grande quantidade, e nada a ver com contextos machistas de cozinha e fogão).
Pois bem, explicadas as diferenças entre cérebro de meninos e meninas, vamos aos questionamentos: mulheres dirigem automóveis? Porque elas não podem brincar de carrinho, ou jogar futebol (atividades ditas masculinas)? Meninos são, na atualidade, importantes enquanto cuidadores dos filhotes, devido à conquista do mercado de trabalho pelas mulheres desde a revolução industrial, porque não podem brincar de boneca? E o cérebro de ótimos literatos como Machado de Assis, Eça de Queiroz, João Ubaldo Ribeiro, para citar os de Língua Portuguesa. Estes grandes nomes da literatura apresentavam um padrão cognitivo muito feminino, ou como explicar a descrição rica de uma personalidade feminina como Capitu, em Dom Casmurro. Nem por isso nosso Machado de Assis tinha orientações homossexuais (ao menos esta tendência não está escrita em suas biografias) e era um homem apaixonado por sua Carolina Augusta Xavier de Novais (temos um soneto inteiramente escrito para ela, “A Carolina”, uma despedida, um réquiem para a mulher com quem teve uma bela vida conjugal por 35 anos).
Os padrões ditos femininos e masculinos estão de certa maneira inscritos em nosso repertório comportamental, mas nem por isso devemos nos limitar a eles, pois são apenas facetas de muitos padrões, e um rapaz mais sensível, indiferente de sua orientação sexual, pode ser antes de tudo um ótimo escritor, músico, ou pintor, saber escolher as cores de maneira diferenciada, como um Van Gogh ou um Monet. Uma menina pode ter padrões mais masculinos em termos de habilidades motoras e se destacar no futebol, (nossas meninas da Seleção Brasileira Feminina de Futebol não são menos femininas por isso e nem são revestidas com esta ou aquela orientação sexual). Muitos homens que apresentam orientação homoafetiva têm comportamentos e padrões cognitivos inteiramente masculinos. Somos acostumados a rótulos e estereótipos, e não respeitamos as diferenças, bem como os mosaicos de características que um indivíduo pode ter. Faz-se necessário no processo educacional valorizar o humano, antes do estereótipo a que pode pertencer, pois podemos estar desperdiçando um grande talento, restringindo o indivíduo a habilidades que talvez não sejam as melhores para o sujeito. Os professores devem tomar muito cuidado no planejamento de suas aulas para não propor atividades que sejam excludentes ou que propiciem a formação de estereótipos que geralmente fazem parte do grande grupo de vítimas de bullying no ambiente escolar.
3.    Identidade social
Um dos maiores problemas na adolescência é o fato de que aquela identificação com o mundo das crianças não existe mais, mas em alguns momentos, dependendo da ocasião, ainda são tratados e vistos como crianças. Também não são ainda adultos, mas a vida começa a impor muitas das coisas próprias de adultos (compromissos, conflitos, busca por um espaço, por um caminho a seguir). Nesta fase tem-se um misto de corpos e mentes de crianças e adultos, é uma fase de transição, rica em contradições e dúvidas; de ambigüidades.
Assim como nos primórdios da humanidade e como em muitas outras espécies de mamíferos que apresentam um longo período de desenvolvimento e maturação, os adolescentes necessitam formar seus novos “bandos”, suas alianças, que poderão durar por uma vida inteira (pense nos seus grandes amigos e avalie quantos deles você conhece desde a adolescência). Este é um momento importante de formação mais do que afirmação de identidades, de identificações.
Escolhemos este ou aquele amigo em decorrência de alguma faceta semelhante a nós mesmos (preferência por estilo de música, roupa, ou até mesmo identificação em algum conflito partilhado, como troca constante de cidade, pais separados, ou ainda, um esporte que praticam juntos). Claro que nesta fase vivemos muitos experimentalismos, o que também ocorre nas constantes trocas de amigos, de namorados, namoradas, de grupo.
Mas uma coisa é bem forte, a parceria entre adolescentes é algo importante, gera segurança, bem-estar social: ter uma turma é ter o direito de ir e vir, ser convidado para festas, ser popular. Os alunos adoram a escola, nesta fase, em primeiro momento por este ser um espaço de socialização, de trocas de experiências (aquelas conversas que tanto atrapalham a explicação do professor na segunda-feira) ou ainda, o lugar para combinar a festa do final de semana (aquela conversa que tanto atrapalha a aula na sexta-feira). Escola é lugar sim de formar alianças estáveis e quanto mais estimuladoras neste sentido forem, mais seguro e prazeroso será vir para as mesmas, assim como estudar e ter bom rendimento escolar.
Atividades que envolvem competição necessitam ser bem planejadas para não excluir o aluno pouco competitivo e com poucas habilidades esportivas, (vítima potencial de bullying). Gincanas, olimpíadas, jornadas literárias e científicas, maratonas que propiciem a cooperação entre os membros dos grupos são atividades que podem oferecer valor positivo da diferença em termos de habilidades.
Pais e educadores podem unir e maximizar seus esforços para trabalhar questões relacionadas ao lugar do corpo, ao lugar da sexualidade e do sexo e ao lugar do adolescente no mundo e tais esforços passam pelo entendimento das mudanças que ocorrem nesta etapa da vida. Em um mundo de intolerâncias, de preconceitos e de exacerbação das diferenças, a família e a escola passam a ser o local mais confiável e seguro para protegermos nossos filhos e alunos das fontes de violência institucionalizada nas instâncias das mídias e do mundo do consumo; gente segura de si e do seu lugar no mundo é gente menos exposta aos riscos e armadilhas de uma sociedade que valoriza cada dia menos a vida e a formação de suas crianças e adolescentes. Conhecer os processos e mecanismos de desenvolvimento do corpo e da mente é um primeiro passo na busca de um futuro mais equânime e libertário.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:
ALEXANDER, Gerianne M. & HINES, Melissa. Sex differences in response to children’s toys in nonhuman primates (Cecopithecus aethiops sabaeus). Evolution and Human Behavior 23:467-479, 2002.
HERCULANO-HOUZEL, S. O cérebro em transformação. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005.
KANDEL, Eric, SCHWARTZ, James e JESSELL, Thomas. Princípios da neurociência. São Paulo: Manole, 2003.

QUEIROZ, R. da S. Agressividade humana: contribuições da Psicologia Evolucionista e da Antropologia. In: Fundamentos de Psicologia: Psicologia Evolucionista. 1.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S/A, 2009, v.único, pp.127-132.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Motivação e Docência

A motivação pode ser conceituada como um conjunto de fatores que energizam, dirigem ou sustentam comportamentos (Gazzaniga e Heaterthon, 2005). Existe um conjunto de comportamentos controlados pelo hipotálamo, que chamamos de comportamentos motivados, ou seja, que necessitam de um motivo para acontecer; fome para comer, sede para beber, abstinência sexual para copular, sono para dormir, filhotes para o cuidado parental e assim por diante. Neste sentido, motivação está diretamente relacionada com alostasia, referência ao fato de organismos vivos oscilarem em suas funções próximos a um ótimo pré-estabelecido ao longo do tempo, em uma função de onda, subindo e descendo, entre o ponto máximo superior e o ponto mínimo inferior. Organismos vivos são afastados do equilíbrio para existirem, mas quando se afastam em demasia do ótimo pode significar o fim. Um exemplo interessante é a temperatura corporal, que tem seu ótimo em 36,5ºC e oscila próximo a isso.

Podemos variar em termos motivacionais por numerosos motivos, algumas funções são mais limítrofes (as variáveis fisiológicas). Outras, mais amplas, também podem sofrer maiores flutuações, como alguns comportamentos complexos, como os aditivos (de comida, drogas), os sexuais, para cuidar dos filhotes, resiliência.

A “Pirâmide das necessidades de Maslow” (figura 1) nos fornece uma organização hierárquica das motivações. Na base da pirâmide, temos as necessidades fisiológicas, depois a segurança, depois pertencimento e amor, no quarto patamar da pirâmide a estima, por último a autorrealização. Interessante notar que, para alcançarmos os pontos mais altos é necessário antes satisfazer os degraus anteriores. Quanto mais básica na pirâmide, mais automatizada será a necessidade, enquanto que a autorrealização requer habilidades e competências mais sofisticadas, e um córtex pré-frontal, região que funciona como o maestro do cérebro e suas funções, bastante desenvolvido em primatas e humanos. Esta área do cérebro está relacionada a planejamento motor, controle das ações, discernimento das mesmas, avaliação dos atos, entre outras funções denominadas executivas (Goldberg, 2002)


Figura 1: Pirâmide das Necessidades de Maslow

Um conceito central no entendimento da motivação é o de impulso, enquanto estados fisiológicos que motivam o organismo a satisfazer suas necessidades, o que promove a ativação fisiológica é a excitação (arousal), como a atividade cerebral aumentada (Gazzaniga e Heaterthon, 2005). A excitação segue a Lei deYerkes-Dodson, na qual um indivíduo pouco excitado para uma tarefa estará entediado para executar a mesma e enquanto excitado excessivamente, pode entrar em colapso por esgotamento. Da mesma forma, o educador que pretende que seus alunos desempenhem uma tarefa que exija concentração e autorrendimento não pode chegar num nível de excitação muito grande, pois prejudicaria a performance na realização da mesma. Também uma postura com pouca excitação levaria a uma desmotivação pela razão contrária. A Figura 2 ilustra a relação entre excitação e desempenho, excitação e motivação, excitação e estresse.

Figura 2: Lei de Yerkes-Dodson, curva de excitação, desempenho humano e estresse.

A ideia de alostasia também será aplicada ao controle das emoções. Na obra Felicidade Autêntica, Martin Seligmann, preconizador da psicologia positiva, sustenta que as pessoas com uma visão mais apurada da realidade são aquelas que oscilam entre levemente felizes (Laetitia) e levemente tristes (Tristitia). A melancolia, uma tristeza branda, a bile branca dos alquimistas, dos filósofos e pensadores medievais (Scliar, 2003), necessária à produção intelectual. Na mesma direção, Damásio (2004) afirma que durante os estados de depressão e ansiedade, nos quais temos que nos centrar e resolver um problema específico, ocorre diminuição do fluxo de imagens mentais, uma letargia corpórea, para que o indivíduo se concentre numa questão em particular. Quando necessitamos de muitas imagens mentais, como nos momentos de criatividade e necessidade de novidades, um estado de euforia e entusiasmo geraria um fluxo aumentado de imagens mentais. Neste aspecto, se o professor deseja que seu aluno se debruce sobre uma lista de exercícios ou um problema específico, deve conduzi-lo a um estado mais reflexivo e melancólico, um pouco triste. Mas se o professor deseja seu aluno mais criativo, ou apto a aceitar uma novidade, pode gerar um estado de euforia, de leve alegria e entusiasmo, ensejando na criação de novas ideias pelo aumento no fluxo de imagens mentais.

Mais importante ainda para o educador é compreender a diferença entre motivação extrínseca, objetos externos aos quais a atividade está sendo desenvolvida, como uma recompensa (se passar de ano ganhará uma bicicleta, se for bem na prova, ganhará horas para jogar games) e a motivação intrínseca, que se refere ao valor ou os prazeres relacionados imediatamente com a atividade, sem objetivo ou propósito biológico aparente (o aluno estuda porque isso estimula seu cérebro, lê literatura porque gosta de viver as histórias/estórias). Os comportamentos intrinsecamente motivados ocorrem por si mesmos. Sempre que fornecemos incentivos (motivações extrínsecas) que não relacionados com a atividade em si (passe de ano que te dou um vídeo game), enfraquecemos a motivação intrínseca (uma bicicleta por passar de ano enfraquece o fato de que passar de ano é um grande prêmio em si, exceto se a bicicleta for dada para que a criança vá para a escola com a mesma). 

Outro fator importante relacionado a motivação, diferente da ideia corrente de que devemos elogiar tudo nas crianças, é que não devemos elogiar uma habilidade já anteriormente conquistada ou inata, devemos elogiar o esforço desempenhado na tarefa, elogios pela inteligência acima da média de um aluno pode fazer pensar que não precisa estudar ou se esforçar, e criar uma maneira enganosa de interpretar os resultados, o que ocasiona problemas de estima, tédio e baixa resiliência posteriores, quando as tarefas se tornam mais complexas e o esforço se faz necessário, fenômeno muito comum no 7º ou 8º ano do ensino fundamental, quando os conteúdos, nas áreas das ciências, matemática e línguas se tornam mais complexos e se misturam a miríade de transformações já discutidas próprias da adolescência (www.nomundodosadolescentes.blospot.com.br). Não se elogia sempre, nem tampouco aquelas coisas que ganhamos da natureza, mas apenas nosso esforço em nos mantermos e nos sofisticarmos deve ser elogiado.

Só se elogia o esforço!

Maslow também pesquisou a biografia de 150 grandes personalidades da história; Winston Churchill, Gandhi, Einstein, Darwin, entre outros. A partir deste estudo, ele gerou uma lista das 15 características das pessoas autorrealizadoras listada abaixo. Heyleighen (1992) discute em pormenores cada uma destas características. A autorrealização parece ser uma característica humana muito marcante e parece apropriado analisar se não deveria ser o objetivo último do processo educacional e dos sistemas motivacionais:


01 - Percepção mais eficiente da realidade e relações mais satisfatórias com ela.
02 - Aceitação (de si, dos outros, da natureza).
03 - Espontaneidade, simplicidade, naturalidade.
04 - Concentração nos problemas, em oposição ao estar centrado no ego.
05 - Qualidade do desprendimento, a necessidade de privacidade.
06 - Autonomia, independência em relação a à cultura e ao meio ambiente.
07 - Pureza permanente de apreciação.
08 - Experiências místicas e culminantes.
09 - Sentimento de parentesco com outros.
10 - Relações interpessoais mais profundas e intensas.
11 - Estrutura de caráter democrático.
12 - Discriminação entre os meios e os fins, entre o bem e o mal.
13 - Senso de humor filosóficos e não hostil.
14 - Criatividade auto-atualizadora.
15 - Resistência à acumulação: a transcendência de qualquer cultura específica

Como podemos analisar ao longo do texto, a motivação é um assunto amplamente estudado pela psicologia e neurociências, mas ainda controverso, tendo em vista muitas áreas do conhecimento abordarem a questão e a grande divergência nos conceitos. A vasta literatura de autoajuda parece também dificultar o entendimento e muito sobre o tema está em desacordo com alguns aspectos expostos aqui, como exemplo, a fala de que devemos elogiar todas as realizações e características positivas em uma criança. O poema publicado anteriormente neste blog (O fim das culpas e a autorrealização) foi escrito em homenagem a Abraham Maslow e retrata a saga de uma pessoa em ir de suas culpas e culpas de sua cultura e, paulatinamente, por meio da autorrealização, se compreender enquanto ser e estar, enquanto partícula, self, ego, singularidade, mas também como um fluxo de energia e matéria no universo.

Bibliografia:

DAMÁSIO, A. Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
GAZZANIGA, M. S., HEATHERTON, T. F. Ciência psicológica: mente, cérebro e comportamento. 2. imp.rev. Porto Alegre: Artmed, 2005.
GOLDBERG, E. O cérebro executivo: lobos frontais e a mente civilizada. Rio de Janeiro: Imago Ed. 2002.
HEYLIGHEN, F. A Cognitive-systemic reconstruction of Maslow´s Theory of Self-Actualization. Behavioral Science, Volume 37, 1992. pp.39-57.
SCLIAR, M. Saturno nos trópicos: a melancolia europeia chega ao Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
SELIGMAN, M. E. P. Felicidade autêntica. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002
SILVA, V. L. da. Homeostasia e reostasia. Depto. Fisiologia e Farmacologia: CCB/UFPE. Disponível em: http://www.crono.icb.usp.br/homeostasiaereostasia.htm. Acesso em: 08.ago.2013.