segunda-feira, 15 de junho de 2015

Motivação e Docência

A motivação pode ser conceituada como um conjunto de fatores que energizam, dirigem ou sustentam comportamentos (Gazzaniga e Heaterthon, 2005). Existe um conjunto de comportamentos controlados pelo hipotálamo, que chamamos de comportamentos motivados, ou seja, que necessitam de um motivo para acontecer; fome para comer, sede para beber, abstinência sexual para copular, sono para dormir, filhotes para o cuidado parental e assim por diante. Neste sentido, motivação está diretamente relacionada com alostasia, referência ao fato de organismos vivos oscilarem em suas funções próximos a um ótimo pré-estabelecido ao longo do tempo, em uma função de onda, subindo e descendo, entre o ponto máximo superior e o ponto mínimo inferior. Organismos vivos são afastados do equilíbrio para existirem, mas quando se afastam em demasia do ótimo pode significar o fim. Um exemplo interessante é a temperatura corporal, que tem seu ótimo em 36,5ºC e oscila próximo a isso.

Podemos variar em termos motivacionais por numerosos motivos, algumas funções são mais limítrofes (as variáveis fisiológicas). Outras, mais amplas, também podem sofrer maiores flutuações, como alguns comportamentos complexos, como os aditivos (de comida, drogas), os sexuais, para cuidar dos filhotes, resiliência.

A “Pirâmide das necessidades de Maslow” (figura 1) nos fornece uma organização hierárquica das motivações. Na base da pirâmide, temos as necessidades fisiológicas, depois a segurança, depois pertencimento e amor, no quarto patamar da pirâmide a estima, por último a autorrealização. Interessante notar que, para alcançarmos os pontos mais altos é necessário antes satisfazer os degraus anteriores. Quanto mais básica na pirâmide, mais automatizada será a necessidade, enquanto que a autorrealização requer habilidades e competências mais sofisticadas, e um córtex pré-frontal, região que funciona como o maestro do cérebro e suas funções, bastante desenvolvido em primatas e humanos. Esta área do cérebro está relacionada a planejamento motor, controle das ações, discernimento das mesmas, avaliação dos atos, entre outras funções denominadas executivas (Goldberg, 2002)


Figura 1: Pirâmide das Necessidades de Maslow

Um conceito central no entendimento da motivação é o de impulso, enquanto estados fisiológicos que motivam o organismo a satisfazer suas necessidades, o que promove a ativação fisiológica é a excitação (arousal), como a atividade cerebral aumentada (Gazzaniga e Heaterthon, 2005). A excitação segue a Lei deYerkes-Dodson, na qual um indivíduo pouco excitado para uma tarefa estará entediado para executar a mesma e enquanto excitado excessivamente, pode entrar em colapso por esgotamento. Da mesma forma, o educador que pretende que seus alunos desempenhem uma tarefa que exija concentração e autorrendimento não pode chegar num nível de excitação muito grande, pois prejudicaria a performance na realização da mesma. Também uma postura com pouca excitação levaria a uma desmotivação pela razão contrária. A Figura 2 ilustra a relação entre excitação e desempenho, excitação e motivação, excitação e estresse.

Figura 2: Lei de Yerkes-Dodson, curva de excitação, desempenho humano e estresse.

A ideia de alostasia também será aplicada ao controle das emoções. Na obra Felicidade Autêntica, Martin Seligmann, preconizador da psicologia positiva, sustenta que as pessoas com uma visão mais apurada da realidade são aquelas que oscilam entre levemente felizes (Laetitia) e levemente tristes (Tristitia). A melancolia, uma tristeza branda, a bile branca dos alquimistas, dos filósofos e pensadores medievais (Scliar, 2003), necessária à produção intelectual. Na mesma direção, Damásio (2004) afirma que durante os estados de depressão e ansiedade, nos quais temos que nos centrar e resolver um problema específico, ocorre diminuição do fluxo de imagens mentais, uma letargia corpórea, para que o indivíduo se concentre numa questão em particular. Quando necessitamos de muitas imagens mentais, como nos momentos de criatividade e necessidade de novidades, um estado de euforia e entusiasmo geraria um fluxo aumentado de imagens mentais. Neste aspecto, se o professor deseja que seu aluno se debruce sobre uma lista de exercícios ou um problema específico, deve conduzi-lo a um estado mais reflexivo e melancólico, um pouco triste. Mas se o professor deseja seu aluno mais criativo, ou apto a aceitar uma novidade, pode gerar um estado de euforia, de leve alegria e entusiasmo, ensejando na criação de novas ideias pelo aumento no fluxo de imagens mentais.

Mais importante ainda para o educador é compreender a diferença entre motivação extrínseca, objetos externos aos quais a atividade está sendo desenvolvida, como uma recompensa (se passar de ano ganhará uma bicicleta, se for bem na prova, ganhará horas para jogar games) e a motivação intrínseca, que se refere ao valor ou os prazeres relacionados imediatamente com a atividade, sem objetivo ou propósito biológico aparente (o aluno estuda porque isso estimula seu cérebro, lê literatura porque gosta de viver as histórias/estórias). Os comportamentos intrinsecamente motivados ocorrem por si mesmos. Sempre que fornecemos incentivos (motivações extrínsecas) que não relacionados com a atividade em si (passe de ano que te dou um vídeo game), enfraquecemos a motivação intrínseca (uma bicicleta por passar de ano enfraquece o fato de que passar de ano é um grande prêmio em si, exceto se a bicicleta for dada para que a criança vá para a escola com a mesma). 

Outro fator importante relacionado a motivação, diferente da ideia corrente de que devemos elogiar tudo nas crianças, é que não devemos elogiar uma habilidade já anteriormente conquistada ou inata, devemos elogiar o esforço desempenhado na tarefa, elogios pela inteligência acima da média de um aluno pode fazer pensar que não precisa estudar ou se esforçar, e criar uma maneira enganosa de interpretar os resultados, o que ocasiona problemas de estima, tédio e baixa resiliência posteriores, quando as tarefas se tornam mais complexas e o esforço se faz necessário, fenômeno muito comum no 7º ou 8º ano do ensino fundamental, quando os conteúdos, nas áreas das ciências, matemática e línguas se tornam mais complexos e se misturam a miríade de transformações já discutidas próprias da adolescência (www.nomundodosadolescentes.blospot.com.br). Não se elogia sempre, nem tampouco aquelas coisas que ganhamos da natureza, mas apenas nosso esforço em nos mantermos e nos sofisticarmos deve ser elogiado.

Só se elogia o esforço!

Maslow também pesquisou a biografia de 150 grandes personalidades da história; Winston Churchill, Gandhi, Einstein, Darwin, entre outros. A partir deste estudo, ele gerou uma lista das 15 características das pessoas autorrealizadoras listada abaixo. Heyleighen (1992) discute em pormenores cada uma destas características. A autorrealização parece ser uma característica humana muito marcante e parece apropriado analisar se não deveria ser o objetivo último do processo educacional e dos sistemas motivacionais:


01 - Percepção mais eficiente da realidade e relações mais satisfatórias com ela.
02 - Aceitação (de si, dos outros, da natureza).
03 - Espontaneidade, simplicidade, naturalidade.
04 - Concentração nos problemas, em oposição ao estar centrado no ego.
05 - Qualidade do desprendimento, a necessidade de privacidade.
06 - Autonomia, independência em relação a à cultura e ao meio ambiente.
07 - Pureza permanente de apreciação.
08 - Experiências místicas e culminantes.
09 - Sentimento de parentesco com outros.
10 - Relações interpessoais mais profundas e intensas.
11 - Estrutura de caráter democrático.
12 - Discriminação entre os meios e os fins, entre o bem e o mal.
13 - Senso de humor filosóficos e não hostil.
14 - Criatividade auto-atualizadora.
15 - Resistência à acumulação: a transcendência de qualquer cultura específica

Como podemos analisar ao longo do texto, a motivação é um assunto amplamente estudado pela psicologia e neurociências, mas ainda controverso, tendo em vista muitas áreas do conhecimento abordarem a questão e a grande divergência nos conceitos. A vasta literatura de autoajuda parece também dificultar o entendimento e muito sobre o tema está em desacordo com alguns aspectos expostos aqui, como exemplo, a fala de que devemos elogiar todas as realizações e características positivas em uma criança. O poema publicado anteriormente neste blog (O fim das culpas e a autorrealização) foi escrito em homenagem a Abraham Maslow e retrata a saga de uma pessoa em ir de suas culpas e culpas de sua cultura e, paulatinamente, por meio da autorrealização, se compreender enquanto ser e estar, enquanto partícula, self, ego, singularidade, mas também como um fluxo de energia e matéria no universo.

Bibliografia:

DAMÁSIO, A. Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
GAZZANIGA, M. S., HEATHERTON, T. F. Ciência psicológica: mente, cérebro e comportamento. 2. imp.rev. Porto Alegre: Artmed, 2005.
GOLDBERG, E. O cérebro executivo: lobos frontais e a mente civilizada. Rio de Janeiro: Imago Ed. 2002.
HEYLIGHEN, F. A Cognitive-systemic reconstruction of Maslow´s Theory of Self-Actualization. Behavioral Science, Volume 37, 1992. pp.39-57.
SCLIAR, M. Saturno nos trópicos: a melancolia europeia chega ao Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
SELIGMAN, M. E. P. Felicidade autêntica. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002
SILVA, V. L. da. Homeostasia e reostasia. Depto. Fisiologia e Farmacologia: CCB/UFPE. Disponível em: http://www.crono.icb.usp.br/homeostasiaereostasia.htm. Acesso em: 08.ago.2013.

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