terça-feira, 5 de março de 2013

UMA ROUPAGEM REVOLUCIONÁRIA PARA O DISCURSO DOCENTE


O cérebro dos adolescentes é configurado para buscar prazeres imediatos e a qualquer custo, impulsionando os mesmos às novidades que propiciam a formação de uma mente e corpo adultos. Caso contrário, não se interessaria por sexo e outras atividades próprias da adultescência e da vida adulta. Docentes e educadores que trabalham diretamente com esta faixa etária devem desenvolver estratégias pedagógicas que possam oferecer novas abordagens que constituiriam uma nova visão de mundo, tão desejada pelos jovens.  Esta necessidade de negação da visão do mundo adulta remonta a formação do cérebro adolescente na pré história de nossas mentes. Neste período, quando meninos recomeçam a produção de testosterona e passam a enfrentar os machos dominantes dos bandos por acesso a recursos, fêmeas e sexo, e as meninas retomam a produção de estrógenos e começam competir por recursos com as fêmeas dominantes, jovens de ambos os sexos eram expulsos dos seus bandos de origem e formavam agrupamentos de juvenis (as atuais tribos urbanas de jovens, por vezes, hordas inteiras nas ruas de nossas cidades, são exemplos de comportamentos desta natureza). Nosso movimento natural quando somos rejeitados por um grupo é de negação, do tipo, aqueles caras não estão com nada, eles não sabem nada, estão atrasados, por fora, meu pai é um careta, entre outras expressões usadas.

Podemos, na condição de adultos educadores, gerar empatia, que é capacidade de se colocar no lugar do outro, gerar uma teoria da mente do outro, sentir o que o outro sente, afinal, já passamos todos por esta fase, a adolescência. Por outro lado, os adolescentes nunca foram adultos e lhes é mais difícil se colocar no lugar de um adulto, na eterna luta do tipo “meu filho, se coloque no meu lugar” e “ninguém me entende nesta casa”.

Podemos e devemos pedagogicamente, revestir os conteúdos, inclusive os clássicos, de uma roupagem “revolucionária”, mostrar que o conteúdo ministrado pode ser usado para a mudança da realidade do aluno. Neste sentido, os estudos sobre sistema digestório em ciências e biologia podem ser aportes para mostrar que somos animais onívoros (que nos alimentamos de todas as fontes de alimentos; vegetais, carnes, ovos), mas que nossa dieta é baseada em apenas quatro grãos (trigo, soja, milho e arroz) e que isso se fundamenta em aspectos mercantilistas, existindo outros grãos mais nutritivos para nossa dieta atual, como por exemplo, linhaça, centeio, quinoa, amaranto, a chia, e que seriam melhores para os ecossistemas (teríamos a diminuição das áreas destinadas à monocultura, que provocam grandes problemas ambientais, também os grãos andinos como a quinoa e amaranto, quando cultivados, diminuem a produção de folha da coca e a produção de seus derivados utilizados como drogas recreativas). Assim, transformamos um tema “careta” em um assunto de “vanguarda” para nossos jovens.

A questão não é o professor se comportar como adolescente, exceto se ele ainda o for, o que é comum e positivo nas nossas licenciaturas, mas ele ainda pode ter uma mente jovem no sentido de desejo de mudança. Alunos sempre desconfiarão, e com razão, de professores muito desinibidos que tentam bancar o adolescente. É necessário mostrar como, enquanto um ser que trabalha e gosta de conviver com jovens, tem ainda a capacidade e desejo de mudança, pois entende que o mundo e sua visão pré estipulada e forçada não é algo positivo para o futuro.

Também a literatura é fonte inesgotável de abordagens revolucionárias e que propiciam novas visões de mundo, as quais o adolescente está ávido por construir. Muito em voga estão os livros escritos por autores de países com orientação islâmica, como O caçador de pipas, de Khaled Husseini, que apresenta uma visão do governo totalitário do Talibã, no Afeganistão (um mundo muito distinto de nossa cultura cristã no Brasil), e que trabalha temáticas como a amizade, reconciliação, liberdade. Também o livro Saturno nos trópicos, de Moacyr Scliar, que trabalha a melancolia do ponto de vista da medicina e da história, de maneira rica e que apresenta as origens da melancolia na Europa e como ela chega ao Brasil, bem como suas consequências para a formação da identidade do povo brasileiro e trás a ideia muito debatida por este autor de uma tristeza leve e positiva, produtiva, pois as pessoas que apresentam uma visão mais apurada da realidade são os que oscilam entre levemente tristes e levemente felizes e ainda uma crítica à patologização da vida e a medicalização da existência. Ainda nesta linha temos grandes livros como Viva o povo brasileiro, de Darcy Ribeiro, Casa grande e senzala, de Gilberto Freire. Os textos de João Guimarães Rosa, como Manuelzão e Miguilin, que trabalha o tema da morte na perspectiva de um homem de idade e de um menino.

Claro que o educador deve ter sua própria lista de sugestões, mas fica aqui a importante ideia de não formalismos nas abordagens de determinados aspectos e tópicos, que podem causar repulsa ou descrença por parte do aluno ou aluna. Adolescentes adoram franqueza, mas com pouca formalidade, e usar um texto para iniciar uma discussão é um ótimo recurso. É mais fácil para pais e educadores fazerem uso de um texto ou algo que saiu na mídia para propor uma temática do que iniciar a mesma com jargões do tipo: “pessoal, precisamos ter uma conversa séria sobre tal assunto”.

Podemos explicar a emergência das tribos urbanas e dos grupos de jovens pela necessidade de formação de uma nova visão de mundo e se sustenta na hipótese de formação dos agrupamentos humanos primitivos de jovens, discutido anteriormente neste texto. Muitas destas tribos urbanas apresentam posturas, vestimentas e linguagem próprias de uma faceta do mundo dos adultos a qual querem se opor. Neste sentido, os hippies, na década de 1960, se empenhavam na luta pela paz e o amor libertário, por uma vida livre do jugo do consumismo, do capitalismo, que por sua vez era o grande gerador das guerras (como a guerra da Coreia e do Vietnã, inclusive da Guerra Fria). Os punks que no final dos anos 1970 e início dos anos 1980 eram opositores de uma visão de mundo baseada no progresso e apresentavam uma total descrença pela melhoria do ser humano. Os Emos (abreviação de Emotional Hardcore – ou emoções fortes) é uma vertente que surge no início dos anos 1980 como uma afirmação mais sentimental do punk. Estes jovens se opõem à banalização das emoções, valorizam sentimentos, a sensibilidade extrema, além de serem muito tolerantes e flexíveis em relação à sexualidade. A banalização das emoções e sentimentos, a falta de tolerância com o diferente e os preconceitos são o que os EMOS buscam se opor com o seu estilo de ser.

Muitos pais e professores se preocupam com dois aspectos frequentemente presentes nessas tribos urbanas: a sexualidade exercida de forma irresponsável e perigosa e o envolvimento com drogas. Estas duas facetas podem fazer parte, vale ressaltar, não apenas do mundo das tribos urbanas, mas do mundo dos adolescentes de maneira geral, por motivos discutidos no capítulo anterior. O aspecto androgênico de muitos meninos e meninas (lembre-se dos cabelos compridos dos meninos hippies da década de 1960) tem um correlato muito forte com a indefinição da sexualidade próprios desta idade. Se não estão ainda bem formadas as identidades corpóreas e sociais, quem dirá a identidade sexual, tão revestida de tabus e preconceitos. O próprio docente muitas vezes tem problemas em falar abertamente sobre sexualidade, pois ele mesmo apresenta indefinições e preconceitos relacionados ao tema. Por outro lado, os adultos não podem simplesmente dar valor positivo à formação de tais grupos, mas deve “emprestar” seu cérebro amadurecido, para usar a expressão da Neurocientista Suzana Herculano-Houzel (2005), e auxiliar o jovem nas suas tomadas de decisões e nas posturas que assume.

Também a violência pode ser vista como algo que vem dos adultos e que é imposta às crianças e adolescentes. O tema é pertinente quando se fala em contestação e mudança de visão de mundo e o educador pode apresentar uma postura revolucionária ao assumir papel de pacifista e conciliador, colocando desde o primeiro dia de aula que o bullying não é tolerado na escola sob hipótese e formato algum (Observatório da Infância, 2010).
O educador deve se mostrar um aliado do aluno desde o inicio da relação, demonstrando sua preocupação e disposição para tratar de assuntos que são de interesse ou necessidades dos mesmos, ou no caso de crianças pequenas, mostrando-lhes carinho e afeto. Não devemos nos posicionar como adolescentes, assumindo posturas e comportamentos que não são os nossos (isso fica até ridículo sob os olhares do aluno e o mesmo se questiona acerca das verdadeiras intenções por trás do discurso adulto, não sem razão), mas sim, nos posicionando e comportando como adultos resolvidos que também passaram pelas mesmas transformações, e que não se acovardaram ou aceitaram de forma passiva o mundo que lhes foi dado, ou seja, que também já fomos jovens e que ainda buscamos nosso lugar ao sol. Isso gera sentimentos de empatia e todo o restante do processo de ensino aprendizagem ficará facilitado, bem como a abertura para solução de problemas em conjunto.

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