quarta-feira, 17 de abril de 2013

Emoções, alostasia (homeostasia) e ambiente educacional


Em seu livro “A origem das espécies” de 1858, Darwin enfatiza a importância da luta pela sobrevivência e perpetuação como os caracteres principais que constituem a vida, todos os organismos vivos estão constantemente empenhados em sobreviver e deixar maior número de cópias possíveis de seus genes nas futuras gerações. Seres humanos, enquanto contínuo deste processo, não estão excluídos deste objetivo último da vida.

            Filósofos de todos os tempos destacaram este equilíbrio enquanto aspecto constituinte da vida: Aristóteles nos coloca em suas análises sobre ética que a busca pelo bem-estar e a felicidade constituem ações morais. Descartes teve inspiração nas fontes de água de Paris para explicar esta busca pelo equilíbrio num modelo denominado hidráulico. Descartes, na sua maneira “mecanicista” de explicar o mundo, acreditava que os organismos humanos funcionavam de maneira semelhante ao utilizado nas fontes e buscou subsídios na anatomia. Ele supôs que a glândula pineal (que controla os ritmos diários do corpo e o ciclo sono-vigília), por ficar próxima aos ventrículos preenchidos pelo líquido cérebro espinhal (causa da hidrocefalia), bombeava este líquido ativando nervos, músculos e ossos, de maneira que o indivíduo, estimulado pela visão da comida e estando motivado para comer se dirigiria tal qual um autômato para a fonte de comida. O sistema visual via nervo óptico, seria o mecanismo eliciador da resposta dada pela pineal e o filósofo chegou a construir um “robô” a partir deste modelo. No entanto, seu modelo mecânico não pressupunha um meio termo, e os organismos deveriam chegar ao extremo da falta de nutrientes no corpo para estarem motivados a beber ou comer. Dificilmente alguém conseguiria sobreviver se resolvesse buscar alimento apenas quando sua fome estivesse no limite.

            Walter Cannon, em 1929, cunhou o termo homeostasia para definir esta busca por estados equilibrados do organismo. A homeostasia para Cannon é definida como uma oscilação entre dois extremos o mais próximo possível de um ótimo idealizado, é um sistema de regulação de todos os processos vivos.


Homeostasia: uma tendência de os estados fisiológicos do organismo manterem o equilíbrio.
 

 
 
FIGURA 1.1 - Esquema representativo da homeostasia quando esta é perturbada por algum estímulo, como exemplificado no texto, que pode ser a temperatura corporal.
FONTE: TORTORA, G. J. & GRABOWSKI, S. R. Princípios de anatomia e fisiologia. 9ª. Edição. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2002. p.7.

 Vamos usar a temperatura corpórea humana como exemplo: existe um limiar inferior de tolerância que é de 34ºC, um limiar superior que em adultos pode chegar até 40ºC e uma temperatura ótima (lembramos aqui que o ponto ótimo é idealizado) que é de 36,5 ºC. O corpo terá sua temperatura oscilando o mais próximo possível do ótimo, então em um dia quente de verão vamos procurar um lugar com sombra e nossas glândulas sudoríparas serão ativadas de forma a eliminar vapor de água e refrescar o organismo, o contrário vai ocorrer se o dia estiver frio, nosso cérebro mandará comandos para que os músculos se contraiam repetidamente para produzir calor metabólico e nossos pêlos ficarão eriçados de maneira a manter o calor na superfície do corpo.

            António Damásio analisando a natureza das emoções e sentimentos no livro “Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos” (2004) faz uma análise da vida e obra do filósofo do século XVII Benedictus Espinosa a partir da perspectiva da neurociência e da biologia moderna, ele coloca que “a tentativa contínua de conseguir um estado de vida equilibrado é um aspecto profundo e definidor da nossa existência” (p.43). A palavra equilibrada aqui merece destaque, pois todos os organismos vivos buscam o equilíbrio para manter suas estruturas e funcionamento e sobreviver.

            Nas palavras de Espinosa citadas por Damásio (apud 2004, p.44) “cada coisa na medida do seu poder, esforça-se por perseverar no seu ser e o esforço pelo qual cada coisa tende a perseverar no seu ser nada mais é o do que a essência desta coisa”. As emoções, neste sentido, nada mais são do que ajustes que o organismo promove para manter a coesão das suas estruturas e funções. O aluno irrequieto, que chama a atenção dos colegas e do professor com comportamentos inadequados para a aula pode estar com problemas de relacionamento em casa. Sempre lembro dos alunos hiperativos nestes casos, como uma área do cerebelo responsável pela postura corporal e pela regulação da motivação denominada vermis é reduzida na maioria dos casos (Castellanos et.al., 2001), o aluno fica se movendo constantemente na cadeira; senta, levanta, senta, deita por vezes, pois seu cérebro manda comandos para o corpo ajustar a postura o tempo todo mesmo que esteja na posição adequada, uma dissonância entre o que o corpo vive e aquilo que o cérebro acusa que o corpo vive.

            As emoções constituem exemplos interessantes de como regulam os processos homeostáticos. Geralmente, eventos que provocam emoções positivas levam a um turbilhão de pensamentos que passam rapidamente em nossas mentes, sem nos determos em um particular. Por outro lado, pensamentos eliciados por emoções negativas são “ruminados” por longos períodos e nos detemos demoradamente neles. Qual o valor adaptativo desta diferença? Emoções positivas como felicidade, gratidão e bem estar são importantes em nossas vidas, mas os estímulos que eliciam tais emoções não diminuem nossa expectativa de vida ou saúde, então não há necessidade de se deter em solucionar problemas imediatos. Emoções negativas como nojo, tristeza, raiva, medos e culpas estão imediatamente relacionados com a diminuição do nosso sucesso, e, portanto, os pensamentos relacionados a estas emoções devem ser processados em nossas mentes de forma contínua, até termos certeza de que a ameaça passou ou o problema foi superado (Damásio, 2004). Sentimos nojo por coisas que possam nos causar doenças como as fezes, que podem conter parasitas perigosos; o medo pode fazer com que sejamos mais cautelosos com relação a situações de perigo; a gratidão pode fazer com que eu atue de forma altruísta com relação a alguém que num momento de necessidade me estendeu a mão ou que poderá me auxiliar em carências futuras. É de se esperar e avaliar, portanto, o conjunto de emoções e situações em que o aluno está inserido de forma a compreender na sua totalidade as respostas comportamentais oferecidas nos ambientes de aprendizagem, bem como sua história de vida.

            Isso reflete um outro problema do ambiente educacional: a descontinuidade e carência de informações do histórico escolar do aluno. O aluno que entra na creche deveria receber uma caderneta de relatos de professores, coordenadores pedagógicos e pais sobre alterações no peso, crescimento, o desenvolvimento psicomotor e da linguagem, eventos de agressões, bem como amostras de trabalhos escolares, de maneira semelhante às cadernetas de saúde e vacinação oferecidas pelas secretarias de saúde. Muito do que é diagnosticado por médicos, psicólogos e psicopedagogos poderia ter outra interpretação com base no histórico do aluno. Um exemplo é o alarmante número de casos de hiperatividade, muitas vezes erroneamente diagnosticados. O que é um comportamento impulsivo ou eventos de depressão circunstancial ocasionado pela separação dos pais ou pela perda de um ente querido poderia ser resolvido de maneira alternativa àquela proposta pela administração de fármacos. Este relatório poderia acompanhar o aluno ao longo da sua vida auxiliando no diagnóstico precoce correto e no tratamento adequado de transtornos, principalmente na adolescência, momento crítico de alterações no sistema nervoso, bem diferente daquele histórico escolar contendo apenas as médias anuais do aluno em determinadas disciplinas ou seu desempenho em algumas habilidades e tarefas.

Bibliografia:
CASTELLANOS, F. Xavier; GIEDD, Jay N.; BERQUIN, Patrick C.; WALTER, James M.; SHARP, Wendy; TRAN, Thanhlan; VAITUZIS, A. Catherine; BLUMENTHAL, Jonathan D.; NELSON, Jean; BASTAIN, Theresa M.; ZIJDENBOS, Alex; EVANS, Alan C.; RAPPOPORT, Judith L. Quantitative Brain Magnetic Resonance Imaging in Girls With Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. Arch Gen Psychiatr 58:289-295, 2001.
DAMÁSIO, António. Em busca de Espinosa: prazer e dor na ciência dos sentimentos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
FINGER, Stanley. Origins of Neuroscience: a History of explorations into Brain Function. New York, Oxford University Press, 1994.
HIPOCRATES. Aforismos. São Paulo: Martin Claret, 2003.
TORTORA, G. J. & GRABOWSKI, S. R. Princípios de anatomia e fisiologia. 9ª. Edição. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2002.

Um comentário:

  1. CONVITE
    Passei por aqui lendo, e, em visita ao seu blog.
    Eu também tenho um, só que muito simples.
    Estou lhe convidando a visitar-me, e, se possível seguirmos juntos por eles, e, com eles. Sempre gostei de escrever, expor as minhas idéias e compartilhar com as pessoas, independente da classe Social, do Credo Religioso, da Opção Sexual, ou, da Etnia.
    Para mim, o que vai interessar é o nosso intercâmbio de idéias, e, de pensamentos.
    Estou lá, no meu Espaço Simplório, esperando por você.
    E, eu, já estou Seguindo o seu blog.
    Força, Paz, Amizade e Alegria
    Para você, um abraço do Brasil.
    www.josemariacosta.com


    ResponderExcluir